BRASIL
Pele Alvo: no Amazonas 92,6% das pessoas mortas em decorrência de intervenção do Estado eram pretos e pardos
- Este foi o primeiro ano em que o estado passou a fazer parte do monitoramento da Rede de Observatórios da Segurança, que analisa a letalidade provocada pela polícia entre as pessoas negras;
- Manaus concentra quase metade das mortes, sendo todas as vítimas homens;
- A faixa etária da maioria da vítimas era de 12 a 29 anos, representando 69,5% dos casos;
- A quinta edição do monitoramento da Rede de Observatórios da Segurança reafirma o padrão da letalidade policial contra a população negra: dos 3.169 casos contendo dados de raça e cor nos nove estados brasileiros monitorados, 2.782 (87,8%) das vítimas eram negras.
Em 2023, o Amazonas passou a fazer parte dos estados monitorados pela Rede de Observatórios da Segurança: nesse ano, foram contabilizadas 59 mortes decorrentes de intervenção do Estado, com redução de 40,4% da letalidade em relação ao ano anterior. O Amazonas também se destacou pela falta de dados, já que em mais da metade dos casos (54,2%) não foram informadas a raça e a cor das vítimas. Entre os óbitos registrados, 92,6% eram pessoas pretas e pardas.
No boletim Pele Alvo: mortes que revelam um padrão, lançado em 7 de novembro, os dados obtidos via Lei de Acesso à Informação (LAI), junto à Secretaria de Segurança Pública e órgãos correlatos do Amazonas, revelam que além da falta de transparência, é preciso se atentar à designação racial, que não é suficiente para entender a realidade do Amazonas. A aplicação padrão de instrumentos de classificação invisibiliza a população indígena, enquadrada como parda em diversas bases de dados. Pardos são a mistura de duas ou mais opções de cor ou raça, incluindo branca, preta e indígena, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Seguindo esta classificação, no Amazonas, por exemplo, não é possível uma análise aprofundada étnico-racial, pois 24 das 27 vítimas, que tiveram registro de raça e de cor, foram consideradas pardas.
Os dados demonstram uma mudança na distribuição territorial da letalidade provocada pela polícia. Em 2022, a capital concentrava 61,6% dos casos; no ano seguinte, 54,2% das vítimas viviam em municípios do interior, com destaque para Rio Preto da Eva, cidade que tem menos de 1% da população amazonense, mas acumulou 15,3% dos óbitos. Além disso, o município não está localizado na calha dos grandes rios e, portanto, fica fora da rota do tráfico de drogas, contrariando a principal justificativa da ação violenta de agentes de segurança, ou seja, a de guerra às drogas.
“É muito importante termos o Amazonas nesta base de monitoramento da Rede de Observatórios. São diversos os olhares para aprofundar, como a classificação étnico-racial, a interiorização da letalidade causada por agentes de segurança e compreender a redução do número de óbitos sem a criação de qualquer política pública específica e coincidindo com a investigação sobre o envolvimento do secretário de Segurança Pública com o tráfico de drogas”, destaca Tayná Boaes, pesquisadora da Rede de Observatórios da Segurança no Amazonas. “Mas com os dados disponíveis já podemos refutar do imaginário coletivo a ausência de forças de segurança pública no interior e nas fronteiras nacionais, já que o número de óbitos aponta para uma violenta presença militar no território amazonense”, completa.
A juventude mais uma vez foi a parcela da população mais afetada pelo comportamento agressivo de agentes de segurança, com 69,5% das vítimas tendo entre 12 e 29 anos.
Mortes que revelam um padrão
O novo boletim Pele Alvo: Mortes Que Revelam Um Padrão, organizado pela Rede de Observatórios da Segurança evidencia a norma da letalidade da ação policial. Em 2023, pelo menos sete pessoas negras foram mortas pela polícia a cada dia nos nove estados monitorados — Amazonas, Bahia, Ceará, Maranhão, Pará, Pernambuco, Piauí, Rio de Janeiro e São Paulo. Ao todo, foram 4.025 vítimas. Destas, 3.169 tiveram informadas suas raça e cor, e 2.782 dos mortos (87,8% desse total) eram negros.
“Assim como aconteceu em 2019, primeiro ano de monitoramento para o boletim Pele Alvo, 2023 se destaca por ser ano de início do mandato de novos governadores estaduais. E é revoltante e angustiante não ter havido mudanças concretas em políticas públicas de segurança, considerando principalmente as desigualdades raciais. O que continuamos a observar são ações bárbaras sob a justificativa de guerra às drogas, com um impacto brutal para a sociedade, principalmente para a população negra, e a persistência de um padrão da letalidade policial”, diz a cientista social Silvia Ramos, coordenadora da Rede de Observatórios da Segurança.
As informações completas dos outros estados analisados no boletim Pele Alvo: mortes que revelam um padrão podem ser acessadas aqui.
Sobre a Rede de Observatórios da Segurança
A Rede de Observatórios é uma iniciativa do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC) dedicada a acompanhar políticas públicas de segurança, fenômenos de violência e criminalidade em nove estados. Atuamos na produção cidadã de dados com rigor metodológico em parceria com instituições locais e sociedade civil. O objetivo é monitorar e difundir informações sobre segurança pública, violência e direitos humanos.
Integram a Rede o grupo de pesquisa ILHARGAS, do Amazonas; a Iniciativa Negra Por Uma Nova Política de Drogas, da Bahia; o Laboratório de Estudos da Violência (LEV), do Ceará; a Rede de Estudos Periféricos (REP), do Maranhão; o Grupo de Pesquisa Mãe Crioula, do Pará; o Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares (Gajop), de Pernambuco; o Núcleo de Pesquisas sobre Crianças, Adolescentes e Jovens (NUPEC), do Piauí; e o Núcleo de Estudos da Violência (NEV/USP), de São Paulo.
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