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Papai vai entender
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“O sertanejo é, antes de tudo, um forte.”
( Euclides da Cunha)
A vida na roça, para quem vive da agricultura de subsistência, é dura. Antes do avanço tecnológico e da assistência técnica, ainda pior. Brocar, derrubar a mata, encoivarar, capinar, plantar e colher, fazia-se tudo no muque.
O ciclo começava em abril e ia até abril do outro ano. Bastava “ventar geral”, como se dizia e dali em diante, iniciava-se o período de estiagem que ia até setembro, começo das chuvas e do plantio.
Seu Severiano, sábio sertanejo, compadre de meu pai, foi colocando os filhos, um a um, na cidade, para conquistarem, através dos estudos, uma vida menos árdua que a sua e a da esposa Marcelina. Foi muito puxado, mas valeu a pena. Militares de alta patente, uma enfermeira, uma veterinária, um advogado e alguns burocratas etc., tornaram-se os filhos do casal lutador. Enfim, alcançaram o paraíso da classe média, vista como muito rica pela maioria dos pobres.
Odilon, um dos filhos do meio, não arredou. Tornou-se o apoio do casal que iria, anos mais tarde, mudar-se para cidade, vencido pela velhice. Odilon, entretanto, continuou na roça.
Anos antes desse desfecho, Severiano e Odilon, num certo ano, resolveram fazer uma roça maior. Deu certo! Conseguiram “a mãe de todas as colheitas”. Cento e vinte sacas de arroz, bem acima do necessário para o consumo anual da família.
Severiano, diante da fartura, chamou Marcelina e
Odilon para um ajuste na programação de receitas e despesas da família.
– Vamos estocar os mantimentos necessários, vender o excedente e com o dinheiro extra fazer frente às despesas que virão. Você, Odilon, vá até Barrolândia, frete um caminhão para fazermos uma carga de arroz. Aí vende o arroz, traz o que consta na lista de compras que vamos lhe dar e volta em carro fretado. Não fique circulando com o dinheiro na cidade. É perigoso.
Marcelina ouviu aquela orientação e esboçou apenas um discreto sorriso de apreensão.
Odilon, muito jovem, com a confiança de quem quer se firmar como homem feito, pronto para a vida, falou:
– Deixe comigo, papai!
A carga de arroz foi vendida e o farto dinheiro fez bochecha na boroca do Odilon.
Ele, dali, não voltou para a roça…Partiu para o bordel da beira da rodovia e como um príncipe, assim estava se sentindo, foi tratado durante três dias. Botou raparigas no colo, espremeram-lhe espinhas, pentearam os seus cabelos, passaram-lhe colônia barata e até lhe ensinaram um tal de beijo grego. De lá, partiu de táxi para o cabaré de Miranorte, cidade vizinha. Depois de outros três dias vivendo no “modo príncipe”, foi para Miracema do Norte-GO, cidade mais próxima da roça de onde viera. Deste último município, já sem dinheiro suficiente para fretar um táxi, partiu a pé para a roça a sessenta quilômetros de distância.
Depois da aventura, à tardinha, no oitavo dia,
Severiano e Marcelina, postados no terreiro da fazenda, avistaram alguém que de longe se aproximava. Pelo caminhado, Severiano concluiu:
– Aquele é o Odilon.
Quando Odilon chegou com a boroca nas costas e uma sacola nas mãos, Severiano indagou:
– Cadê as compras e o dinheiro? Odilon,
tranquilamente respondeu-lhe:
– As compras da lista eu não fiz e o dinheiro acabou, mas eu trouxe uma coisa que o senhor vai gostar. Abriu a sacola, retirou uma garrafa de cachaça e entregou-a a Severiano. Ele a abriu, levou-a aos lábios, deu uma talagada demorada, dessas em que se vê o ar em borbulhas a invadir a garrafa, ocupando o espaço da cachaça que saía generosamente. Foi um gut gut dos mais gostosos de um paladar em festa. Depois, passou as costas da mão na boca e falou:
– Ainda bem que você não se esqueceu
de mim.
Marcelina, muda e estatelada…ficou.
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JOSÉ EPIFANIO PARENTE AGUIAR
Sou um Baby Boomer, portanto um véi esquisito para as gerações X, Y, Z e um monstrengo para a geração Alfa.
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