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Os Dois Amigos

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“Mais vale, para a frouxa moral de boa parte do alegre povo e para grande parte das elites, um gangster abonado, rechonchudo, sorridente, comunicativo, pagando a roda de cerveja da galera, que um velhote pobre, esquálido, tossindo e filosofando, a semear vivência e sabedoria.” (José Epifanio Parente Aguiar)

Miguelito recebeu uma rígida educação caseira, à base de palmatória e chicote de relho cru em cima do lombo magrelo. “Era pra botar um freio nas traquinagens”, segundo o severo pai. Porém, fez-se homem forte, nenhuma psicóloga encontraria qualquer sequela, sentimentos tortos e atravessados em sua cuca serena.

A professora, lá na roça, contratada pelo pai por três anos, deu a ele e a outros seis irmãos, dois instrumentos para suas vidas: capacidade para fazer as quatro operações e escrever um bilhete com começo, meio e fim.

Com o pai, Miguelito aprendeu cedo a arte de carpintaria. A fama de bom fazedor de mata-burro, curral e cerca de arame, correu as redondezas.

Por outro lado, Severiano, nascido na classe média baixa e magra, na pacata cidade de Miracema do Tocantins, fez um segundo grau seboso, mais para dar o tal diploma aos pais que para si.

No colégio, ninguém como ele para liderar o bullying, que naquela época nem tinha esse nome. Rechonchudos, gagos, especiais, efeminados, leporinos, os com vitiligo, etc., todos sofriam inomináveis humilhações impetradas por ele.

Com o diploma de segundo grau à mão, deu-se por pronto e foi ser auxiliar de contador em uma das empreiteiras que estava asfaltando a BR-153, a rodovia Belém-Brasília, anos setenta, trecho entre Gurupi e Araguaína.

A vida, sempre a lhe sorrir, deu-lhe uma linda esposa, filha de abastado fazendeiro que o aquinhoou com vasta gleba.

Miguelito, sempre na região, empreitou, junto a Severiano, a construção de um grande curral, quatro quilômetros de cerca e a derrubada, com motosserra, de cinco alqueires de mata virgem.

Ali, Miguelito e Severiano construíram uma sólida amizade. Severiano, bon vivant, conseguiu manter a fazenda por quatro anos, depois a vendeu, torrou o dinheiro, caiu nos braços da farra e a grana minguou.

Comunicativo e de rara inteligência emocional, pelo tráfico de influência de um deputado situacionista foi contratado para trabalhar na tesouraria de uma agência de arrecadação da secretaria da fazenda do estado do Tocantins em Gurupi/TO.

Um ano depois, consolidado no emprego, em visita a um estimado cunhado, chamou-o à parte, levantou a lona da carroceria da caminhonete e mostrou-lhe uma pilha de dinheiro dentro de um saco plástico de cem litros. O cunhado, de olhos arregalados, desconfiado da má origem do dinheiro, falou: “Tu é doido! Isso dá cadeia!” Ele, sorridente, respondeu: “Ou eu entrava para a máfia da nota fria ou eu morria!”

Tempos depois, fora do emprego-mamata, já sem dinheiro, foi preso, acusado de fazer parte de uma gangue de puxadores de carro. Na época, a pacata Miracema/TO não falava noutra coisa.

Miguelito, o amigo que fizera lá na empreita do curral, choroso, foi visitá-lo lá na cadeia para lhe dar um apoio moral. Quando anunciaram a Severiano que ele receberia uma visita e que era o Miguelito, ele pediu ao carcereiro, já seu chegado, para fazer uma pequena surpresa ao prestativo Miguelito e assim ficou combinado. Quando Miguelito adentrou a cela, de súbito, Severiano o agarrou, derrubou-o, sentou-se escanchado em sua barriga, deu uma sonora gargalhada e em alto e bom som falou:

“Macho! cadeia foi feita pra homi. Você veio aqui só pra choramingar? Deixe de ser otário!”

JOSÉ EPIFANIO PARENTE AGUIAR

Sou um Baby Boomer, portanto um véi esquisito para as gerações X, Y, Z e um monstrengo para a geração Alfa.

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