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Como é definido o salário de um prefeito e qual deve ser o impacto da medida de Evandro em Fortaleza – PontoPoder
A gestão do prefeito de Fortaleza, Evandro Leitão (PT), anunciou na última quarta-feira (15) um pacote com medidas de contenção de gastos e, no bojo da iniciativa, promoveu uma redução de 20% nos subsídios recebidos pelo próprio chefe do Executivo, pela vice-prefeita Gabriella Aguiar (PSD), pelos secretários e demais titulares de órgãos municipais. Um decreto formalizando a decisão foi publicado no Diário Oficial do Município (DOM) da quinta-feira (16).
Para compreender como é definido o salário dos agentes políticos que serão atingidos pela determinação do Governo Municipal e qual o impacto dela, o Diário do Nordeste conversou com especialistas e analisou o cenário posto na capital cearense.
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Padrão atual e impacto financeiro
Fixado atualmente em cerca de R$ 28,6 mil, o valor bruto dos proventos recebidos pelo ocupante do Palácio do Bispo vai passar, por conta da medida publicada, para cerca de R$ 22,9 mil. Já Gabriella verá seu salário bruto diminuir de R$ 25,7 mil para algo em torno de R$ 20,6 mil. Os auxiliares do primeiro escalão, por sua vez, receberão aproximadamente R$ 17,8 mil por mês — sem o desconto o valor é de R$ 22,3 mil.
Pelo que divulgou a gestão Evandro, a política de austeridade promovida — incluindo o decréscimo nos salários — terá um prazo inicial de 180 dias e, assim, será revista em 30 de junho. A expectativa é de que, com todo o rol de ações anunciadas, que engloba a diminuição de contratos com cooperativas e terceirizadas, além da suspensão de serviços não essenciais, sejam economizados cerca de R$ 500 milhões.
A reportagem questionou a Coordenadoria de Comunicação da Prefeitura de Fortaleza acerca da economia prevista com a redução dos salários dos mandatários, do secretariado e de presidentes de órgãos da administração pública. Entretanto, pelo que respondeu a equipe, o valor está sendo trabalhado de forma geral, contabilizando todas as áreas.
R$ 500 milhões
É o montante que o Município espera economizar em 180 dias
Ao ser questionada sobre a aplicação ou o direcionamento dos recursos financeiros para outras áreas, a divisão responsável pelo relacionamento com os órgãos de imprensa afirmou que tais verbas são avaliadas como uma “gordura”.
“Neste momento, é uma economia para que consigamos tocar os investimentos previstos sem interrupções nas entregas. Não significa necessariamente que esta economia será direcionada para um programa ou projeto específico”, esclareceu.
“É cumprir compromissos que vão desde arcar com custos de gerenciamento (escolas, hospitais e etc) até quitar débitos com fornecedores e ampliar a capacidade de receber recursos mostrando sermos bons pagadores”, finalizou.
Como o salário é definido
De acordo com a Constituição Federal, os proventos dos agentes públicos municipais são definidos pela Câmara Municipal. Os valores em questão devem ser estipulados por lei de iniciativa da Casa Legislativa. Em Fortaleza, o padrão que está em vigor foi estabelecido no fim de 2021, para que passasse a valer em 2022.
A Constituição determina que os salários de ocupantes de cargos eletivos e de servidores não podem ser maiores do que os subsídios recebidos pelos ministros do Superior Tribunal Federal (STF). Da mesma maneira, pelo que está escrito no texto constitucional, é assegurada uma revisão geral anual dos valores e os demais membros da estrutura da prefeitura não podem ter os salários maiores do que o mandatário.
Quanto ao teto remuneratório mencionado, há uma exceção na capital cearense, e que está prevista na própria Carta Magna. Como consta na Lei Orgânica do Município (LOM), os procuradores do Município podem receber mais que o chefe do Executivo.
Em conversa com a reportagem, o advogado Pedro Ângelo Mesquita, especialista em Direito Municipal, explicou que existem parâmetros que definem o tamanho da remuneração recebida, assim como existe uma conta a ser feita para a definição dos subsídios dos vereadores. “O do prefeito também vai mais ou menos dentro dessa linha”, salientou.
Para o entrevistado, embora haja uma previsão legal que permita a alteração de proventos anualmente, não significa que o salário do prefeito, da vice-prefeita e dos secretários esteja defasado. “É uma avaliação muito subjetiva, porque vai depender das próprias condições de contas da cidade”, afirmou.
“A gente percebe, diante dos dados que são apresentados no Diário Oficial, que Fortaleza está num déficit, está devendo mais do que deveria e há necessidade de fazer uma economia. Diante desse cenário, não acho que tenha elementos para se dizer que o salário do prefeito de Fortaleza está defasado”, argumentou.
O movimento de reduzir os salários é visto de maneira positiva pelo também advogado especializado em Direito Municipal Pedro Cravo. De acordo com ele, “dentro de um cenário político e da realidade financeira e orçamentária dos municípios, é plenamente perfeito que se faça essas alterações com relação ao chamado corte de gastos, que pode chegar na questão da remuneração dos prefeitos, vice-prefeitos e secretários”.
Especialistas divergem sobre formalização
A formalização das medidas de contenção de gastos na Prefeitura de Fortaleza aconteceu por meio da publicação de um decreto no DOM. Entretanto, especialistas ouvidos divergem sobre como a medida da redução dos subsídios dos agentes públicos, especificamente, deveria acontecer.
No entendimento de Pedro Cravo, esse tipo de revisão deve atender ao “princípio da anterioridade”. “Quando o prefeito faz qualquer alteração, revisão ou implementação de alguma receita nova para o Município, tem que obedecer ao ano em curso. Por exemplo, se for fazer alguma modificação em 2026, ela tem que estar aprovada em 2025. Não posso fazê-la em janeiro e já cortar o gasto em março, por exemplo”, comentou.
Essa questão da redução de salário pode impactar um pouco, porque se tem a visão, baseada muito na CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), de que o salário é uma cláusula pétrea e não pode ser reduzido. Porém, os subsídios podem ser revisados, desde que não seja feita de forma unilateral.
Ele deu conta de que a medida realizada por Evandro deveria ter passado pelo crivo do Legislativo, para que fosse transformada em lei. “Ela tem que ser levada e aprovada pelo plenário da Câmara Municipal”, concluiu.
Cravo lembrou que a decisão do mandatário trata de um tema relacionado com o planejamento orçamentário. “Toda essa justificativa de um interesse público vai partir de uma mudança no Orçamento do Município. Ainda que seja corte de gastos, quem tem que aprovar qualquer aumento, corte e ajuste do Orçamento do Município é justamente a Câmara”, reforçou.
A consideração é diferente da trazida por Pedro Ângelo Mesquita. Na visão dele, a publicação de um decreto, como foi feito pela Prefeitura de Fortaleza, cumpre preceitos constitucionais. Segundo o especialista, por se tratar de “um mero ato administrativo”, tal medida pode ser fundamentada da maneira que foi.
Ele não vai alterar o valor do seu subsídio, mas tão somente determinar uma ordem para que a administração pública não passe o valor total e represe ali no próprio Tesouro as porcentagens que vão ser descontadas para gerar mais receita para o Município.
De acordo com Mesquita, considerando o que foi anunciado pela gestão, a previsão orçamentária não vai ser necessariamente afetada. Segundo ele, o gestor de Fortaleza está salvaguardado pela Lei de Responsabilidade Fiscal e seria de competência do Executivo a definição de como será gasto o dinheiro disponibilizado em Orçamento (desde que não esteja vinculado a mínimos constitucionais).
Economia com licenciados
A Lei Orgânica do Município de Fortaleza versa sobre a possibilidade de que vereadores licenciados em função da titularidade de secretarias e da nomeação para a diretoria de órgãos, assim como outras atribuições de chefia relacionadas com o Poder Público, poderão optar pelo salário do mandato, pago pela Casa Legislativa.
Até o momento, seis parlamentares da Câmara Municipal de Fortaleza (CMFor) já foram anunciados como auxiliares do prefeito. Cinco deles — Eudes Bringel (PSD), Júlio Brizzi (PT), Apollo Vicz (PSD), Bá (PSB), Wellington Sabóia (Podemos) e Márcio Martins (União) — já estão de licença dos seus mandatos. Wellington Saboia (Podemos), indicado para o Procon Fortaleza, ainda não foi alocado na gestão.
A partir de fevereiro, o valor bruto dos subsídios dos vereadores fortalezenses passará a ser de R$ 26 mil. O montante é superior aos R$ 22,3 mil recebidos pelo secretariado antes mesmo do corte promovido pelo Governo Evandro.
Ao Diário do Nordeste, Brizzi, atual titular da Secretaria de Juventude (Sejuv), disse que acredita que, dado o momento de restrição financeira, “os vereadores podem recorrer à Câmara”. “Vou consultar o pessoal da Prefeitura pra saber o que faço”, completou.
Bá, por sua vez, já definiu a fonte de recursos de onde virá seu salário pela atuação na Secretaria Executiva Regional 8. Por meio de sua assessoria de imprensa, a política revelou que optou pelo subsídio do mandato, “abrindo mão do salário de secretária”.
A reportagem consultou os demais indicados — já nomeados e licenciados, e também quem ainda não assumiu o cargo. Não houve resposta até a publicação desta matéria. O espaço segue aberto para manifestações e o conteúdo será atualizado caso haja uma devolutiva.