Artigo
O Pacto
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E Deus criou o mundo! No mundo colocou o homem. Com Sua onipotência, botou no mundo, também, o Diabo… Talvez para mostrar ao homem que ele tinha limites no uso do livre-arbítrio que lhe concedera. Ou seja: passar dos limites traria a punição lá no fogo do inferno que, por propósito do Criador, é gerenciado pelo Anjo Caído, também filho de Deus, por que não?
O saudoso Amâncio, um sertanejo analfabeto, porém um sábio, enriqueceu sua cultura ouvindo literatura de cordel. Lembro-me do brilho nos seus olhos e do seu estado de êxtase quando alguém lia pela enésima vez – e ele até decorou – “A Chegada de Lampião no Inferno”, de José Pachêco. Amâncio jurava que o meu pai – que Deus o tenha – Propício Parreão, tinha um pacto com o Diabo; que as terras e o gado adquiridos seriam fruto do tal pacto que ele narrava assim:
“Propício menino pobre
Por muito tempo lutou
Pra ganhar muito dinheiro
E fazer dos fii dotô
Vendeu pinga em cabaré
Rio largo ele nadou
Tocou boiada a pé
Burro brabo amansou
Fez tudo isso com fé
Nunca desacorçoou.
Com seis vacas e oito cabras
Se viu pronto pra casar
E num pedacin de terra ele foi se assentar.
Lá na fazenda Local
Encontrou ELza Parente
Mulher bela e sorridente
Por quem foi se apaixonar.
Na labuta anos a fio
Começou a fazer fii
E nada da grana chegar.
Sem perder a esperança
Teve uma baita lembrança
De no Diabo se encostar.
Numa sexta-feira treze
Correu pra encruzilhada
Pra ver no que ía dar
E lá ele acendeu velas
Para um pacto celebrar
Mas o tempo foi passando
E para o seu desengano
Nada do Diabo chegar.
Mas muito tempo depois
Quando já nem esperava
Lhe apareceu
um bode
Que danou a prosear
Disse o trato está feito
E você ó meu eleito
Muito bem(!) vai enricar
Mas tem uma condição
E dela não abro mão
Eu volto pra lhe buscar
Anos depois já bem rico
Com uma vida de alegria
Deixou o trato pra lá
Mas bateu-lhe o desespero
Quando em sonho e pesadelo
O Diabo veio cobrar.
Vendo a viola em cacos
Correu ele pra patroa
Pra ela tudo contar
Elza disse eu te amo
E vamo furá o tal plano
Do Diabo te carregá
Você fica meu amado
Que eu vou no teu lugar.
Propício aliviado
Alertou sua muié
Que o diabo vinha a pé
Pela cozinha ía entrar.
Ela disse dou um jeito
Nesse maldito sujeito
Aqui você vai ficar.
Os dois se abraçaram tanto
Rezaram pra tudo que é santo
Pro Diabo espantar
Mas numa manhã cedinho
Com um vento friozinho
Fazia Elza o cafezinho
Para o Propício tomar
Eis que surge de repente
Já em cima do batente
Um galo fêi de lascar.
Tinha o pescoço pelado
E os seus zoio
De brasa
Já na hora de saltar
Os esporões mais de palmo
Um bicho de arrepiar.
Dona Elza deu um grito
E avisou pro maldito
Pra nela não se encostar
O pacto é com o Propício
Homem cumpridor de trato
Que jamais ía falhar.
Depois apontou pro quarto
E gritou sem embaraço
‘É ali que ele está’.”
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Dicionário Coloquial:
Carregá = carregar;
Dotô = Doutor;
Fazê = Fazer;
Fii = Filho;
Muié = Mulher;
Pedacin= Pedacinho;
Pra = Para;
Pro = Para o;
Vamo = vamos
e Zoio = Olhos.
JOSÉ EPIFANIO PARENTE AGUIAR
Sou um Baby Boomer, portanto um véi esquisito para as gerações X, Y, Z e um monstrengo para a geração Alfa.
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