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Esse cara é o Bella

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Nascido em Buritirana-MA, o filho de dona Bella, até rapazote, atendia pelo nome de Mundico da Bella. Depois, homem feito, de barba e bigode, subtraíram-lhe o “da” e ficou apenas Mundico Bella, um claro sinal de que cumprira o rito de passagem da meninice para a vida adulta, prova de que largara a basta da saia da mãe, que agora vestia camisa para ir às partes, além de tornar-se um bom vendedor de tacho para as quebradeiras de coco. E assim correu os sertões maranhenses, atravessou matas de babaçus, onde, o seu rastro, era cheirado por onças famintas.

Nos anos sessenta do século passado, Mundico Bella migrou para a pacata Miracema do Norte, situada, à época, no então norte de Goiás. Ali, fez seu nome ao se eleger em cinco mandatos consecutivos para a Câmara Municipal.Tantas eleições vitoriosas, só se consegue com a arte da persuasão. O Bella, assim chamado no dia a dia, era a bondade em pessoa. Aposentava velhos, internava doentes, pegava em alça de caixão, dançava forró, empurrava caminhonete gaseira de bateria fraca, tinha paciência com bêbados, flertava com as muito feias e tomava emprestado do pobre para ajudar o mais pobre ainda etc. Era um Robin Hood à sua maneira. Não fazia nada por interesse eleitoreiro, mas suas boas ações lhe traziam votos aos borbotões. Se praticou o curandeirismo social, não o fez por maldade. Era um filantropo nato e também, conceitos mais sofisticados, como o da inclusão social, nem sabia que diabo era. O que conta é que seu coração era bom.

No segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso, o FHC, houve a crise energética do apagão, oficializada em 2001. Os reservatórios das hidrelétricas brasileiras baixaram assustadoramente.
Entretanto, no recém-nascido Estado do Tocantins, o Governador José Wilson Siqueira Campos tinha montado um consórcio que tocava a todo vapor a construção da hidrelétrica Luís Eduardo Magalhães, popularmente conhecida como Usina de Lajeado, obra tocada entre 1998 e 2002, na divisa dos municípios de Miracema do Tocantins e Lajeado-TO, no caudaloso Rio Tocantins. Em virtude da crise, a obra era esperada com muita expectativa.

Nesse cenário, em 2001, a bancada de Deputados Federais do Estado do Tocantins, junto com o prefeito de Lajeado-TO, Júnior Bandeira, foi despachar em audiência com o presidente FHC. Em pauta, a hidrelétrica em construção, etc.

Terminada a parte formal da audiência, a última do dia, FHC, um tipo descontraído, começou a conversar sobre coisas corriqueiras com os presentes. Júnior Bandeira, o prefeito, de olho no futuro, viu ali uma oportunidade política para entrar na cabeça do todo poderoso FHC e com desenvoltura fez o seguinte relato:

“Presidente, lá em Miracema do Tocantins, município que faz divisa com o meu, tem um certo vereador, sujeito desenrolado… tudo indica que vai se reeleger. É o Bella. Veja bem, presidente, pela nossa maneira de fazer política é natural que os candidatos a prefeito coloquem um dinheirinho na mão dos candidatos a vereador em dia de comício, para eles, depois dos discursos, na hora do bem-bom do forró, pagarem pinga para os eleitores. E, naquele dia, o locutor já estava convocando os candidatos para compor o palanque, mas o Bella, sempre rodeado, dava um sinal ‘pera aí’, com a mão, para um sujeito que acenava, meio de longe, levando o dedo indicador aos lábios, em sinal de que queria falar com ele.

Só que, de repente, o locutor chamou o Bella e ele subiu na carroceria do caminhão, improvisada como tribuna, sem atender o eleitor que lhe sinalizava. Este, desapontado, começou a beber pinga e a reclamar para um parceiro que o Bella teria cometido uma desfeita, a de não o atender e lhe dar satisfação sobre os cinco reais que prometera. Aí, o maldoso companheiro que o acompanhava, deu-lhe corda: Vá lá para perto, fica quase batendo a testa nas canelas dos candidatos… e no momento em que derem a palavra para o Bella, você o cobra bem alto.

Quando, então, o Bella começou o seu bonito discurso, sempre enfatizando a parceria antiga entre ele e o candidato a prefeito Sebastião Borbba Santtos, explanando, inclusive, sobre os projetos que tinha para apresentar na Câmara, lá de baixo, de frente aos seus pés, veio a fala gritada: É Bella, mas tu me deu o cano! Houve aqueles eternos cinco segundos de silêncio causados pelo impacto da afronta. Antes, porém, que algum gaiato desse um grito ou um assobio e tentasse puxar uma vaia, Bella reagiu: Sim! dei o cano, dei as telhas, dei os tijolos, dei o cimento e, se você tá esmorecido, Jeremias, na segunda-feira, bem cedo, reúne a vizinhança que eu vou lá, pessoalmente, organizar um baita mutirão. O povão, aliviado, porque viu o seu líder se safar com um bonito improviso…

O povão, feliz e agradecido, irrompeu em gritos e aplausos, satisfeito pela saída repentina e inteligente de um Bella, que por um triz não ficou acuado.

“Mas esse Bello existe? Isso não é piada?” Perguntou FHC.
“Não presidente, aconteceu e o nome dele é Bella, Mundico Bella.”
FHC, risonho e pensativo, completou: “Eu preciso conhecer esse cara.”

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JOSÉ EPIFANIO PARENTE AGUIAR

Sou um Baby Boomer, portanto um véi esquisito para as gerações X, Y, Z e um monstrengo para a geração Alfa.

 

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