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BRASIL

2 segundos de glória

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Pense! Pense num cara que nasceu na roça, de sete meses, de parto gemelar, cabia na palma da mão nas duas primeiras semanas de vida, a mãe era “seca”, não tinha colostro e nem leite, salvo por duas cabras ordenhadas três vezes ao dia, o irmãozinho morreu na hora em que nasceu, teve duas severas convulsões entre os três e os quatro anos de idade, quando com febre delirava e aos gritos bradava: “o papai me mata, a mamãe me mata!” Que sufoco, hein?

Jales Aguiar, nome artístico de Jales Parente de Aguiar, aos dezoito anos, com o diploma do Ginásio Batista de Tocantínia-TO na mala, partiu daquela cidade pequetita, com mais ou menos mil e quinhentos habitantes, naqueles idos anos setenta, determinado a ser um ator da Rede Globo de Televisão lá no Rio de Janeiro-RJ. Para nós, que ficamos para trás, contando a passagem do tempo em preguiçosos relógios de parede, aquilo era mais um delírio do nosso galã ginasiano Jales Aguiar. Tá certo! Vá lá! Em Tocantínia ele fazia bonito: declama Castro Alves e José Régio, além de outros notáveis da literatura.

Não era um Tarcísio Meira nem um Antônio Fagundes, até mirrado era, embora bonitinho de se ver. Chamava a atenção com sua desenvoltura espalhafatosa, teatral, “coisa de artista”, como se diz por aí.

Depois de fazer cursos de teatro com pequena duração e pegar algumas pontas em peças encenadas em teatros à margem, com paredes a pedir reboco, Jales Aguiar foi ganhar a vida, ou salvá-la, sobrevivendo como criador de trutas em parceria com um professor fluminense aposentado, um tipo diferentão que, em noite de céu estrelado sentava-se em uma pedra e ficava a esperar os OVNIS, lá na chácara, os quais, nunca deram o ar da graça. A Rede Globo, portanto, não lhe abriu as portas.

Naquelas bandas, já velho e alquebrado, cuidando das trutas e do amigo que ficara gagá, ouviu: “A Rede Globo de Televisão vai filmar cenas externas da próxima novela, A Cabocla, aqui!” Era a senha que faltava. O ano era 1979.

Jales Aguiar, de pronto, se emperiquitou e se dirigiu a um dos diretores que estava em campo e se apresentou com suas credenciais. Feito o teste, o nosso homem foi aprovado. Iria contracenar com Tony Ramos e Mauro Mendonça. Não era pouco! Leonardo Villar , no papel de padre, era outro destaque daquele folhetim prestes a estrear.

Amarrados esses compromissos, pelos quais Jales Aguiar ganharia uma mixaria, isso pouco lhe importando, o nosso herói telefonou, à época, via orelhão, para a família residente em Miracema do Tocantins-TO, já anunciando o dia da estreia.
Eu, o irmão, um típico Miguelão que ficara no sossego da vidinha interiorana, cresci os olhos, doido pra ver se pegava em mim um pouco dessa coisa chamada celebridade, a qual, certeza pura, ia acometer o meu irmão, a essa altura, um homem da Globo, em um mundo que, ser “global” não era pouca coisa.

Contratei um carro de som para anunciar o grande feito. A população foi mobilizada, convocada a se deslocar, fazer-se presente no ginásio de esportes para assistir a estréia do agora filho ilustre de Miracema do Tocantins-TO, na Rede Globo de Televisão, em horário nobre. Um telão foi instalado e testado. Na época, esse tipo de sofisticação tecnológica custava o olho da cara. Vendi dois caminhões de frangos para custear as despesas. Deu certo!

Jales Aguiar estreou com o Ginásio Poliesportivo Irapuan Costa Júnior – capacidade para duas mil pessoas – cheio até a tampa. Empolgado, me sentindo um novo rico, mandei a meninada fazer fila junto aos dois carros de pipoca e, todo exibido, paguei em espécie. Eu também era o cara!

Quando a novela estreou, um silêncio profundo, solene, e também de curiosidade, tomou conta de todos nós. Eu? tinha a melhor cara de abestado que uma vaidade escancarada já produziu. Ao lado de minha esposa Léa Maria Rodrigues Cerqueira Aguiar, de vestido e sandálias novas, com o prefeito Sebastião Borba Santos e a bancada situacionista toda presente, e ainda, mais algumas eminências locais “na cola”, arregalamos os olhos para o telão.

De repente, gritei: “É ele, olha lá ele!” Jales Aguiar, no papel de um maltrapilho, com um cofo sobre a cabeça, dirigiu-se ao padre, mediador das apostas da corrida de cavalos a ser disputada entre os dois coronéis do enredo, a instigar o povo, fomentando as apostas, das quais descontaria um percentual a favor da sua paróquia.

Ao dar o meu alerta: “É ele, olha lá ele!”, Jales Aguiar estava sob o foco do câmera e por dois segundos, no instante dos dois passos que deu, ele, no Brasil todo, de cabo a rabo, foi visto por milhões de telespectadores. Jales Aguiar, acabava de conquistar a Rede Globo de Televisão.
É bem verdade que aquela foi a única aparição do nosso Jales Aguiar na telinha mágica. “O que houve?” Perguntei-lhe e ele explicou ao telefone: ” Filmaram bem mais! Como sou ‘puta velha’ e estava roubando a cena dos coroneis, a direção meteu a tesoura na minha parte. Sacanagem, né?” “Muita!… Muita sacanagem!” Esta foi a minha resposta indignada.
Mas que porra! Só por dois segundos!? Sim! Por dois segundos. Pensando bem, isso não é pouco! Isso é a glória! Vamos comemorar!

JOSÉ EPIFANIO PARENTE AGUIAR

Sou um Baby Boomer, portanto um véi esquisito para as gerações X, Y, Z e um monstrengo para a geração Alfa.

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